Autoria: Sérgio Luiz Ferreira

Pero Vaz de Caminha em sua célebre carta escrita em Porto Seguro em 1500 dizia: “Águas são muitas; infinitas. Em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo; por causa das águas que tem!”. Assim foi ao longo da ocupação do território brasileiro, floresceram os lugares por causa das águas que tinham.
Santo Antônio e Sambaqui não fugiram à regra. O segundo povoador europeu da Ilha de Santa Catarina, o português Manoel Manso de Avelar ( o primeiro fora Francisco Dias Velho, em 1673, morto em 1689) se estabeleceu em Sambaqui na praia que ficou conhecida como da Aguada e depois da Calha d´água. Este Sargento-Mor chegou na região por volta de 1700.
Quando Amedée François Frézier passou pela ilha, em 1712, escreveu que Manoel Manso de Avelar governava uma população de 147 brancos. Com toda a Ilha de Santa Catarina à disposição para a sua moradia, ele escolheu Sambaqui por causa das águas que tinha e fixou morada bem junto ao córrego que abastecia de água os navios que por ali passavam.
Este contato com navios estrangeiros em demanda de água doce possibilitou um rico comércio dos moradores com estas tripulações. Até meados de 1960 era comum as pessoas de Sambaqui “negociarem a bordo”. Na realidade tratava-se de escambo, trocava-se farinha de mandioca, beiju, feijão, milho, amendoim, frutas, passarinhos e rendas de bilro por fazendas (tecidos), sal e querosene.
Manoel Manso de Avelar era meu décimo-segundo avô, essa tradição permaneceu na família até meu pai que ainda negociou a bordo. Minha avó Emília Homem Ferreira (dona Milóca), nascido e criada em Ratones, quando casou, em 1941, com meu avô Timóteo Antônio Ferreira veio morar em Sambaqui. Enquanto ele trabalhava nos barcos de pesca no Rio Grande, ela ia negociar a bordo dos navios que ficavam ancorados entre as ilhas de Anhatomirim e Ratones. Muitas vezes surpreendida pelo vento Sul, precisava ficar arribada no forte de Santo Antônio da Ilha de Ratones. Enquanto os filhos pequenos esperavam em casa pela mãe, às vezes por até três dias!
Em 1887 o Almirante João Justino de Proença mandou construir uma grande caixa d´água e a Calha d´água na Praia da Aguada. Dessa forma, a água armazenada descia por uma calha de ferro até dentro d´água onde as chatas se abasteciam e levavam aos navios.
As mulheres lavavam roupa nas fontes que eram muitas na região. Lembro-me bem da fonte que ficava no terreno do Vô Timóteo onde várias mulheres lavavam simultaneamente, era a dona Adelina da Cunha, a dona Rosalina Gaia Ventura, a dona Valdecir da Silva, a dona Maroca, a tia Tatala, a vó Milóca e a mãe (Bertolina).
Na sede da freguesia pelos anos de 1950 foi construído o Curtume, vários tanques coletivos onde praticamente todas as mulheres lavavam. Recordo-me da dona Laureci do Bofe, que era lavadeira profissional e ali trabalhava o dia inteiro. O curtume ainda existe, fica praticamente ao lado da sede do Baiacu, mas ninguém mais lava lá depois que a CASAN inaugurou o sistema de abastecimento de água em 1982. No final da rua Cônego Serpa ficava a carioca, onde a maioria buscava água de pote. No terreno da dona Tila ainda existe uma bela fonte que seu filho Ademar Lisboa conserva e onde ele colocou uma placa com os dizeres: “Reserva Hídrica Donatília de Souto”.
São essas águas doces e as águas salgadas que rodeiam este pedaço de chão e mar dedicados à Senhora das Necessidades e a Santo Antônio que o Baiacu quer ajudar a preservar: água para beber e água para pescar, cultivar ostras e mariscos e para banhar. O sistema de esgoto já começou a ser implantado, é fruto de uma luta comunitária de mais de 10 anos. Vamos trabalhar para que ele seja adequado e eficiente. Lá em casa uma lontra tem aparecido para almoçar de vez em quando, sinal de que a poluição ainda não devastou nossa orla. Por isso vamos pedir à Senhora das Necessidades, a Santo Antônio, a Iemanjá que protejam nossas águas para que possamos viver longos anos por causa das águas que temos!